Kim Jong-un
A Coréia
do Norte é um país. Esta verdade simples é inaceitável para a maior
parte da imprensa mundial. É como se aquela nação não tivesse o direito
de existir. Seria uma monarquia comunista, um país faminto e obsoleto ou
uma ditadura sanguinária e terrorista.
Ainda
que todas as coisas acima ditas fossem verdadeiras, nós acharíamos
várias delas em outros países do mundo apoiados pelo “Ocidente”. Por
isso, ninguém está interessado no povo da Coréia do Norte e muito menos
em “libertá-lo”.
Depois
de ocupada pelo Japão, a Coréia foi de fato libertada pelos aliados em
1945. A luta entre os comunistas e seus inimigos já mantinha o país
dividido. Em 1950, depois da desocupação, iniciou-se a Guerra Civil. Os
EUA invadiram o norte e capturaram a capital, Pyongyang, em outubro de
1950. Em apoio às tropas de Kim Il Sung, os chineses entraram
secretamente na Coréia do Norte e iniciaram uma ofensiva. Depois de
conquistarem Seul, os chineses sofreram a contra-ofensiva e recuaram até
o famoso paralelo 38, que divide as duas Coréias. As lutas encarniçadas
por posições no território coreano se prolongaram até julho de 1953.
A partir
da implantação da Ditadura em 1961, a Coréia do Sul teve amplo
progresso industrial. O norte, isolado (salvo pelo apoio chinês), teve
que se manter com escassos recursos naturais. A ideologia Zuche, adotada
pelo país, significa a perene busca da autonomia econômica e da
soberania política. Mas o isolamento diplomático obrigou Kim Il Sung a
destinar grande parte de seu orçamento para a defesa, visto que seu
adversário não são as tropas sul-coreanas, mas o Exército dos EUA.
Sem as
Forças Armadas descomunais que possui, a Coréia do Norte há muito teria
sucumbido. E como qualquer país armado até os dentes, não se pode
esperar que lá vigore a mais pura “democracia”. A propaganda difundida
pela imprensa estadunidense e reproduzida no Brasil mostra o atual líder
do país como o maior perigo à paz mundial. Adjetivos como louco, terrorista e lunático incrementam o medo das pessoas. Afinal, o “louco” é um jovem com armas nucleares!
Durante
meio século, os sucessivos governos dos EUA desenvolveram artefatos
nucleares. Os EUA foram o único país do mundo a agredir outro país com
tais armas. Mas ninguém diz que há tresloucados com armas nucleares por lá. Nem mesmo na época da gang
de Bush (aliás, continuador da dinastia de seu pai…), que ocupara antes
a presidência. Como todos sabem, as eleições estadunidenses são
indiretas e, mesmo assim, Bush Junior ganhou-as mediante fraude.
Se Kim
Jong-un ou qualquer outro líder é louco, não sabemos. O fato é que sua
política de ameaças faz todo o sentido e reflete a razão de Estado de um
país sitiado há mais de 50 anos. Abdicar da possibilidade da guerra
seria render-se e desintegrar o sistema socialista vigente. Que inimigos
de esquerda ou direita o queiram, é compreensível. Mas acreditar que um
estadista abandonaria o poder sem lutar é uma ilusão. Se ameaçado por
uma invasão, poderia sim apelar para uso de qualquer armamento. E os
generais dos EUA, que não ignoram as lições de Clausewitz, sabem que a
guerra leva a uma escalada para os extremos.
Seria
louvável que os governos fossem varridos e as comunidades dispusessem
para si dos trilhões de dólares que já foram gastos no mundo todo com a
violência dos Estados entre si ou contra seus cidadãos. Mas mudar a
razão das guerras não está em discussão aqui. O que está em jogo é mais
uma progressiva propaganda do governo dos EUA para destruir um país. Já
vimos a mesma história mentirosa sobre as armas de destruição em massa
de Saddam Hussein.
Há de fato
um grande perigo de desencadeamento de uma guerra com armas
convencionais ou nucleares. Os loucos podem sempre provocá-la. Mas eles
não estão em Pyongyang, e sim em Washington.
***
Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicou pela Boitempo a biografia de Caio Prado Júnior (2008), pela Coleção Pauliceia. É organizador, com Luiz Bernardo Pericás, da coletânea de ensaios inéditos Intérpretes do Brasil (título provisório), que será lançada no segundo semestre de 2013. Colaborou para o Blog da Boitempo mensalmente durante o ano de 2011. A partir de 2012, tornou-se colaborador esporádico do Blog.
Nenhum comentário:
Postar um comentário