Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil
Este texto é fruto de debates acumulados ao longo das
últimas décadas, em especial da I Conferência Nacional de Comunicação
(CONFECOM), sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas
para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras
entidades nacionais e regionais, em 20 e 21 de maio de 2011, no Rio de
Janeiro. A primeira versão foi colocada em consulta pública aberta, e
recebeu mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente
incorporadas neste documento. A Plataforma tem foco nas 20 propostas
consideradas prioritárias na definição de um marco legal para as
comunicações em nosso país. Ao mesmo tempo em que apresenta essas
prioridades, este texto tem a pretensão de popularizar o debate sobre as
bandeiras e temas da comunicação, normalmente restrito a especialistas e
profissionais do setor. Essa é a referência que este setor da sociedade
civil, que atuou decisivamente na construção da I CONFECOM, propõe para
o conteúdo programático deste debate que marcará a agenda política do
país no próximo período.
Por que precisamos de um novo Marco Regulatório das Comunicações?
Há pelo menos quatro razões que justificam um novo
marco regulatório para as comunicações no Brasil. Uma delas é a ausência
de pluralidade e diversidade na mídia atual, que esvazia a dimensão
pública dos meios de comunicação e exige medidas afirmativas para ser
contraposta. Outra é que a legislação brasileira no setor das
comunicações é arcaica e defasada, não está adequada aos padrões
internacionais de liberdade de expressão e não contempla questões
atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias. Além
disso, a legislação é fragmentada, multifacetada, composta por várias
leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre
elas. Por fim, a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da
regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação (220, 221 e
223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios e
oligopólios e a regionalização da produção sem nenhuma referência legal,
mesmo após 23 anos de aprovação. Impera, portanto, um cenário de
ausência de regulação, o que só dificulta o exercício de liberdade de
expressão do conjunto da população.
A ausência deste marco legal beneficia as poucas
empresas que hoje se favorecem da grave concentração no setor. Esses
grupos muitas vezes impedem a circulação das ideias e pontos de vista
com os quais não concordam e impedem o pleno exercício do direito à
comunicação e da liberdade de expressão pelos cidadãos e cidadãs,
afetando a democracia brasileira. É preciso deixar claro que todos os
principais países democráticos do mundo têm seus marcos regulatórios
para a área das comunicações. Em países como Reino Unido, França,
Estados Unidos, Portugal e Alemanha, a existência dessas referências não
tem configurado censura; ao contrário, tem significado a garantia de
maior liberdade de expressão para amplos setores sociais. Em todos estes
países, inclusive, existem não apenas leis que regulam o setor, como
órgãos voltados para a tarefa de regulação. A própria Relatoria Especial
para a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos
destaca, em sua agenda de trabalho, o papel do Estado para a promoção da
diversidade e pluralidade na radiodifusão.
Princípios e objetivos
O novo marco regulatório deve garantir o direito à
comunicação e a liberdade de expressão de todos os cidadãos e cidadãs,
de forma que as diferentes ideias, opiniões e pontos de vista, e os
diferentes grupos sociais, culturais, étnico-raciais e políticos possam
se manifestar em igualdade de condições no espaço público midiático.
Nesse sentido, ele deve reconhecer e afirmar o caráter público de toda a
comunicação social e basear todos os processos regulatórios no
interesse público.
Para isso, o Estado brasileiro deve adotar medidas de
regulação democrática sobre a estrutura do sistema de comunicações, a
propriedade dos meios e os conteúdos veiculados, de forma a:
- assegurar a pluralidade de ideias e opiniões nos meios de comunicação;
- promover e fomentar a cultura nacional em sua diversidade e pluralidade;
- garantir a estrita observação dos princípios constitucionais da
igualdade; prevalência dos direitos humanos; livre manifestação do
pensamento e expressão da atividade intelectual, artística e de
comunicação, sendo proibida a censura prévia, estatal (inclusive
judicial) ou privada; inviolabilidade da intimidade, privacidade, honra e
imagem das pessoas; e laicidade do Estado;
- promover a diversidade regional, étnico-racial, de gênero,
classe social, etária e de orientação sexual nos meios de comunicação;
- garantir a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal de comunicação;
- proteger as crianças e adolescentes de toda forma de exploração,
discriminação, negligência e violência e da sexualização precoce;
- garantir a universalização dos serviços essenciais de comunicação;
- promover a transparência e o amplo acesso às informações públicas;
- proteger a privacidade das comunicações nos serviços de telecomunicações e na internet;
- garantir a acessibilidade plena aos meios de comunicação, com especial atenção às pessoas com deficiência;
- promover a participação popular na tomada de decisões acerca do
sistema de comunicações brasileiro, no âmbito dos poderes Executivo e
Legislativo;
- promover instrumentos eletrônicos de democracia participativa nas decisões do poder público.
O marco regulatório deve abordar as questões centrais
que estruturam o sistema de comunicações e promover sua adequação ao
cenário de digitalização e convergência midiática, contemplando a
reorganização dos serviços de comunicação a partir da definição de
deveres e direitos de cada prestador de serviço. Sua estrutura deve
responder a diretrizes que estejam fundadas nos princípios
constitucionais relativos ao tema e garantam caráter democrático para o
setor das comunicações.
Diretrizes fundamentais – 20 pontos para democratizar as comunicações no Brasil
1. Arquitetura institucional democrática
A organização do sistema nacional de comunicações
deve contar com: um Conselho Nacional de Comunicação, com composição
representativa dos poderes públicos e dos diferentes setores da
sociedade civil (que devem ser majoritários em sua composição e
apontados por seus pares), com papel de estabelecer diretrizes
normativas para as políticas públicas e regulação do setor; órgão(s)
regulador(es) que contemple(m) as áreas de conteúdo e de distribuição e
infraestrutura, subordinados ao Conselho Nacional de Comunicação, com
poder de estabelecimento de normas infralegais, regulação, fiscalização e
sanção; e o Ministério das Comunicações como instituição responsável
pela formulação e implementação das políticas públicas. Estados e
municípios poderão constituir Conselhos locais, que terão caráter
auxiliar em relação ao Conselho Nacional de Comunicação, com atribuições
de discutir, acompanhar e opinar sobre temas específicos, devendo
seguir regras únicas em relação à composição e forma de escolha de seus
membros. Esses Conselhos nos estados e municípios podem também assumir
funções deliberativas em relação às questões de âmbito local. Deve
também ser garantida a realização periódica da Conferência Nacional de
Comunicação, precedida de etapas estaduais e locais, com o objetivo de
definir diretrizes para o sistema de comunicação. Este sistema deve
promover intercâmbio com os órgãos afins do Congresso Nacional –
comissões temáticas, frentes parlamentares e o Conselho de Comunicação
Social (órgão auxiliar ao Congresso Nacional previsto na Constituição
Federal).
2. Participação social
A participação social deve ser garantida em todas as
instâncias e processos de formulação, implementação e avaliação de
políticas de comunicação, sendo assegurada a representação ampla em
instâncias de consulta dos órgãos reguladores ou com papeis afins e a
realização de audiências e consultas públicas para a tomada de decisões.
Devem ser estabelecidos outros canais efetivos e acessíveis (em termos
de tempo, custo e condições de acesso), com ampla utilização de
mecanismos interativos via internet. Em consonância com o artigo 220 da
Constituição Federal, a sociedade deve ter meios legais para se defender
de programação que contrarie os princípios constitucionais, seja por
meio de defensorias públicas ou de ouvidorias, procuradorias ou
promotorias especiais criadas para este fim.
3. Separação de infraestrutura e conteúdo
A operação da infraestrutura necessária ao transporte
do sinal, qualquer que seja o meio, plataforma ou tecnologia, deve ser
independente das atividades de programação do conteúdo audiovisual
eletrônico, com licenças diferenciadas e serviços tratados de forma
separada. Isso contribui para um tratamento isonômico e não
discriminatório dos diferentes conteúdos, fomenta a diversificação da
oferta, e assim amplia as opções do usuário. As atividades que forem de
comunicação social deverão estar submetidas aos mesmos princípios,
independentemente da plataforma, considerando as especificidades de cada
uma dessas plataformas na aplicação desses princípios.
4. Garantia de redes abertas e neutras
A infraestrutura de redes deve estar sujeita a regras
de desagregação e interconexão, com imposição de obrigações
proporcionais à capacidade técnica e financeira de cada agente
econômico. Os operadores de redes, inclusive os que deem suporte à
comunicação social audiovisual eletrônica, devem tratar os dados de
forma neutra e isonômica em relação aos distintos serviços, aos
programadores e a outros usuários, sem nenhum tipo de modificação ou
interferência discriminatória no conteúdo ou na velocidade de
transmissão, garantindo a neutralidade de rede. O uso da infraestrutura
deve ser racionalizado por meio de um operador nacional do sistema
digital, que funcionará como um ente de gerenciamento e arbitragem das
demandas e obrigações dos diferentes prestadores de serviço, e deverá
garantir o caráter público das redes operadas pelos agentes privados e
públicos, sejam elas fixas ou sem fio. Além disso, deve ser garantido
aos cidadãos o direito de conexão e roteamento entre seu equipamento e
qualquer outro, de forma a facilitar as redes cooperativas e permitir a
redistribuição de informações.
5. Universalização dos serviços essenciais
Os serviços de comunicação considerados essenciais,
relacionados à concretização dos direitos dos cidadãos, devem ser
tratados como serviços públicos, sendo prestados em regime público. No
atual cenário, devem ser entendidos como essenciais a radiodifusão, os
serviços de voz e especialmente a infraestrutura de rede em alta
velocidade (banda larga). Enquadrados dessa forma, eles estarão sujeitos
a obrigação de universalização, chegando a todos os cidadãos
independentemente de localização geográfica ou condição socioeconômica e
deverão atender a obrigações tanto de infraestrutura quanto de
conteúdo, tais como: prestação sem interrupção (continuidade), tarifas
acessíveis (no caso dos serviços pagos), neutralidade de rede,
pluralidade e diversidade de conteúdo, e retorno à União, após o fim do
contrato de concessão, dos bens essenciais à prestação do serviço. Devem
ser consideradas obrigações proporcionais à capacidade técnica e
financeira de cada agente econômico, de forma a estimular os pequenos
provedores. Esse é o melhor formato, por exemplo, para garantir banda
larga barata, de qualidade e para todos.
6. Adoção de padrões abertos e interoperáveis e apoio à tecnologia nacional
Os serviços e tecnologias das redes e terminais de
comunicações devem estar baseados em padrões abertos e interoperáveis, a
fim de garantir o uso democrático das tecnologias e favorecer a
inovação. Padrões abertos são aqueles que têm especificação pública,
permitem novos desenvolvimentos sem favorecimento ou discriminação dos
agentes desenvolvedores e não cobram royalties para implementação ou
uso. Interoperáveis são aqueles que permitem a comunicação entre
sistemas de forma transparente, sem criar restrições que condicionem o
uso de conteúdos produzidos à adoção de padrão específico. Essas
definições devem estar aliadas a política de apoio à tecnologia nacional
por meio de pesquisa e desenvolvimento, fomento, indução e compra de
componentes, produtos e aplicativos sustentados nesse tipo de
tecnologia.
7. Regulamentação da complementaridade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de comunicação
Nas outorgas para programação, o novo marco
regulatório deve garantir a complementaridade dos sistemas público,
privado e estatal de comunicação, regulamentando o artigo 223 da
Constituição Federal. Por sistema público, devem ser entendidas as
programadoras de caráter público ou associativo, geridas de maneira
participativa, a partir da possibilidade de acesso dos cidadãos a suas
estruturas dirigentes e submetidas a regras democráticas de gestão. O
sistema privado deve abranger os meios de propriedade de entidades
privadas em que a natureza institucional e o formato de gestão sejam
restritos, sejam estas entidades de finalidade lucrativa ou não. O
sistema estatal deve compreender todos os serviços e meios controlados
por instituições públicas vinculadas aos poderes do Estado nas três
esferas da Federação. Para cada um dos sistemas, devem ser estabelecidos
direitos e deveres no tocante à gestão, participação social,
financiamento e à programação. A cada um deles também serão asseguradas
cotas nas infraestruturas de redes dedicadas ao transporte de sinal dos
serviços de comunicação social audiovisual eletrônica, de forma a
atingir a complementaridade prevista na Constituição Federal.
Deve estar previsto especialmente o fortalecimento do
sistema público, com reserva de ao menos 33% dos canais para esta
categoria em todos os serviços, políticas de fomento – em especial pelo
incremento da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública e
criação de fundos públicos com critérios transparentes e gestão
democrática – e o fortalecimento da rede pública, em articulação com
todas as emissoras do campo público e com suas entidades associativas,
com a constituição de um operador de rede que servirá também de modelo
para a futura evolução de toda a comunicação social eletrônica
brasileira. Deve ainda ser reforçado o caráter público da Empresa Brasil
de Comunicação (EBC), por meio da ampliação de sua abrangência no
território nacional, democratização de sua gestão, garantia de
participação popular nos seus processos decisórios, ampliação das fontes
fixas de financiamento e da autonomia política e editorial em relação
ao governo. A produção colaborativa e em redes no âmbito de emissoras
públicas e estatais deve ser promovida por meio de parcerias com
entidades e grupos da sociedade civil.
8. Fortalecimento das rádios e TVs comunitárias
A nova legislação deve garantir a estruturação de um
sistema comunitário de comunicação, de forma a reconhecer efetivamente e
fortalecer os meios comunitários, entendidos como rádios e TVs de
finalidade sociocultural geridos pela própria comunidade, sem fins
lucrativos, abrangendo comunidades territoriais, etnolinguísticas,
tradicionais, culturais ou de interesse. Por ter um papel fundamental na
democratização do setor, eles devem estar disponíveis por sinais
abertos para toda a população. Os meios comunitários devem ser
priorizados nas políticas públicas de comunicação, pondo fim às
restrições arbitrárias de sua cobertura, potência e número de estações
por localidade, garantido o respeito a planos de outorgas e distribuição
de frequências que levem em conta as necessidades e possibilidades das
emissoras de cada localidade. Devem ser garantidas condições de
sustentabilidade suficientes para uma produção de conteúdo independente e
autônoma, por meio de anúncios, publicidade institucional e de
financiamento por fundos públicos. A lei deve prever mecanismos efetivos
para impedir o aparelhamento dos meios comunitárias por grupos
políticos ou religiosos. É também fundamental o fim da criminalização
das rádios comunitárias, garantindo a anistia aos milhares de
comunicadores perseguidos e condenados pelo exercício da liberdade de
expressão e do direito à comunicação.
9. Democracia, transparência e pluralidade nas outorgas
As outorgas de programação de rádio e serviços
audiovisuais, em qualquer plataforma, devem garantir em seus critérios
para concessão e renovação a pluralidade e diversidade informativa e
cultural, sem privilegiar o critério econômico nas licitações, e visar à
complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal. Os
critérios de outorga e renovação devem ser adequados aos diferentes
sistemas e estar claramente definidos em lei, com qualquer recusa sendo
expressamente justificada. Não deve haver brechas para transformar as
outorgas em moedas de troca de favores políticos. A responsabilidade
pelas outorgas e por seu processo de renovação deve ser do(s) órgão(s)
regulador(es) e do Conselho Nacional de Comunicação, garantida a
transparência, a participação social e a agilidade no processo. Os
processos de renovação não devem ser realizados de forma automática,
cabendo acompanhamento permanente e análise do cumprimento das
obrigações quanto à programação – especialmente com a regulamentação
daquelas previstas no artigo 221 da Constituição Federal – e da
regularidade trabalhista e fiscal do prestador de serviço. Deve-se
assegurar a proibição de transferências diretas ou indiretas dos canais,
bem como impedir o arrendamento total ou parcial ou qualquer tipo de
especulação sobre as frequências.
10. Limite à concentração nas comunicações
A concentração dos meios de comunicação impede a
diversidade informativa e cultural e afeta a democracia. É preciso
estabelecer regras que inibam qualquer forma de concentração vertical
(entre diferentes atividades no mesmo serviço), horizontal (entre
empresas que oferecem o mesmo serviço) e cruzada (entre diferentes meios
de comunicação), de forma a regulamentar o artigo 220 da Constituição
Federal, que proíbe monopólios e oligopólios diretos e indiretos. Devem
ser contemplados critérios como participação no mercado (audiência e
faturamento), quantidade de veículos e cobertura das emissoras, além de
limites à formação de redes e regras para negociação de direitos de
eventos de interesse público, especialmente culturais e esportivos.
Associações diretas ou indiretas entre programadores de canais e
operadores de rede devem ser impedidas. O setor deve ser monitorado de
forma dinâmica para que se impeçam quaisquer tipos de práticas
anticompetitivas.
11. Proibição de outorgas para políticos
O marco regulatório deve reiterar a proibição
constitucional de que políticos em exercício de mandato possam ser donos
de meios de comunicação objeto de concessão pública, e deve estender
essa proibição a cônjuge, companheiro ou parente em linha reta,
colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive. Medidas
complementares devem ser adotadas para evitar o controle indireto das
emissoras.
12. Garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente
É preciso regulamentar o artigo 221 da Constituição
Federal, com a garantia de cotas de veiculação de conteúdo nacional e
regional onde essa diversidade não se impõe naturalmente. Esses
mecanismos se justificam pela necessidade de garantir a diversidade
cultural, pelo estímulo ao mercado audiovisual local e pela garantia de
espaço à cultura e à língua nacional, respeitando as variações
etnolinguísticas do país. O novo marco deve contemplar também políticas
de fomento à produção, distribuição e acesso a conteúdo nacional
independente, com a democratização regional dos recursos,
desconcentração dos beneficiários e garantia de acesso das mulheres e da
população negra à produção de conteúdo. Essa medida deve estar
articulada com iniciativas já existentes no âmbito da cultura, já que,
ao mesmo tempo, combate a concentração econômica e promove a diversidade
de conteúdo.
13. Promoção da diversidade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de crença
Devem ser instituídos mecanismos para assegurar que
os meios de comunicação: a) garantam espaço aos diferentes gêneros,
raças e etnias (inclusive comunidades tradicionais), orientações
sexuais, classes sociais e crenças que compõem o contingente
populacional brasileiro espaço coerente com a sua representação na
sociedade, promovendo a visibilidade de grupos historicamente excluídos;
b) promovam espaços para manifestação de diversas organizações da
sociedade civil em sua programação. Além disso, o novo marco regulatório
deve estimular o acesso à produção midiática a quaisquer segmentos
sociais que queiram dar visibilidade às suas questões no espaço público,
bem como articular espaços de visibilidade para tais produções.
14. Criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos
Conforme previsto na Convenção Americana de Direitos
Humanos, a lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como
toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua
incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
Também está previsto que a liberdade de expressão esteja sujeita a
responsabilidades posteriores a fim de assegurar o respeito dos direitos
e da reputação das demais pessoas. Assim, o novo marco deve garantir
mecanismos de defesa contra programação que represente a violação de
direitos humanos ou preconceito contra quaisquer grupos, em especial os
oprimidos e marginalizados – como mulheres, negros, segmento LGBT e
pessoas com deficiência –, o estímulo à violência, a ofensa e danos
pessoais, a invasão de privacidade e o princípio da presunção de
inocência, de acordo com a Constituição Federal. Nas concessões
públicas, deve ser restringido o proselitismo político e religioso ou de
qualquer opção dogmática que se imponha como discurso único e sufoque a
diversidade.
15. Aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes
O Brasil já conta com alguns mecanismos de proteção
às crianças e aos adolescentes no que se refere à mídia, que se
justificam pela vulnerabilidade deste segmento. Estes mecanismos devem
contar com os seguintes aprimoramentos: a) extensão da Classificação
Indicativa existente para a TV aberta, definida por portaria, para
outras mídias, especialmente a TV por assinatura; seu cumprimento deve
ser garantido em todas as regiões do país, com a ampliação da estrutura
de fiscalização; b) instituição de mecanismos para assegurar que os
meios de comunicação realizem programação de qualidade voltada para o
público infantil e infanto-juvenil, em âmbito nacional e local; c)
aprovação de regras específicas sobre o trabalho de crianças e
adolescentes em produções midiáticas; d) proibição da publicidade
dirigida a crianças de até 12 anos. Todas essas medidas devem ter como
referência o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, no Código
de Defesa do Consumidor e em convenções internacionais relativas ao
tema.
16. Estabelecimento de normas e códigos que objetivem a diversidade
de pontos de vista e o tratamento equilibrado do conteúdo jornalístico
O conteúdo informativo de caráter jornalístico nos
meios sob concessão pública deve estar sujeito a princípios que garantam
o equilíbrio no tratamento das notícias e a diversidade de ideias e
pontos de vista, de forma a promover a liberdade de expressão e ampliar
as fontes de informação. Esses princípios são fundamentais para garantir
a democracia na comunicação, mas precisam ser detalhadamente
estabelecidos em lei para não se tornar um manto de censura ou
ingerência, nem restringir o essencial papel dos meios de comunicação de
fiscalização do poder.
17. Regulamentação da publicidade
Deve ser mantido o atual limite de 25% do tempo
diário dedicado à publicidade e proibidos os programas de televendas ou
infomerciais nos canais abertos. Como previsto na Constituição Federal, a
publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas (incluindo a cerveja),
agrotóxicos, medicamentos e terapias deverá estar sujeita a normas
especiais e restrições legais, principalmente nos horários de
programação livre. Deve-se também restringir a publicidade de alimentos
não-saudáveis, com a definição de horários inadequados à veiculação e a
divulgação dos danos desses produtos à saúde. Promoções, competições e
votações devem ser regulamentadas de forma a garantir total
transparência e garantia dos direitos dos consumidores.
18. Definição de critérios legais e de mecanismos de transparência para a publicidade oficial
Devem ser definidos critérios isonômicos que evitem
uma relação de pressão dos governos sobre os veículos de comunicação ou
destes sobre os governos. Os critérios para a distribuição dos recursos
devem ter como princípio a transparência das ações governamentais e a
prestação de informações ao cidadão e levar em conta a eficácia do
investimento em relação à visibilidade, à promoção da diversidade
informativa e à indução da desconcentração dos mercados de comunicação. A
distribuição das verbas governamentais deve ser transparente, com
mecanismos de acompanhamento por parte da sociedade do volume de
recursos aplicados e dos destinatários destes recursos, e deve levar em
conta os três sistemas de comunicação – público, privado e estatal.
19. Leitura e prática críticas para a mídia
A leitura e a prática críticas da mídia devem ser
estimuladas por meio das seguintes medidas: a) inclusão do tema nos
parâmetros curriculares do ensino fundamental e médio; b) incentivo a
espaços públicos e instituições que discutam, produzam e sistematizem
conteúdo sobre a educação para a mídia; c) estímulo à distribuição de
produções audiovisuais brasileiras para as escolas e emissoras públicas;
d) incentivo a que os próprios meios de comunicação tenham
observatórios e espaços de discussão e crítica da mídia, como
ouvidorias/ombudsmen e programas temáticos.
20. Acessibilidade comunicacional
O novo marco regulatório deve aprimorar mecanismos
legais já existentes com o objetivo de garantir a acessibilidade ampla e
garantir, na programação audiovisual, os recursos de audiodescrição,
legenda oculta (closed caption), interpretação em LIBRAS e
áudio navegação. Esses recursos devem ser garantidos também no guia de
programação (EPG), aplicativos interativos, e receptores móveis e
portáteis. Documentos e materiais de consultas públicas e audiências
públicas devem ser disponibilizados em formatos acessíveis para garantir
igualdade de acesso às informações e igualdade de oportunidade de
participação de pessoas com deficiência sensorial e intelectual. Deve-se
ainda garantir a acessibilidade em portais, sítios, redes sociais e
conteúdos disponíveis na internet, com especial atenção aos portais e
sítios governamentais e publicações oficiais.
Observações
Essas diretrizes contemplam os temas cuja nova
regulamentação é premente. Há ainda outros temas ligados ao setor das
comunicações ou com incidência sobre ele que devem ser tratados por
mecanismos específicos, como a reforma da Lei de Direitos Autorais, o
Marco Civil da Internet e a definição de uma Lei de Imprensa
democrática, que contemple temas como o direito de resposta e a
caracterização dos ilícitos de opinião (injúria, calúnia e difamação),
sempre com base nos princípios e objetivos citados neste documento.
Acesse: http://www.comunicacaodemocratica.org.br