A revolução de 1930 foi um
dos acontecimentos mais importantes da nossa história recente. A
derrubada das velhas oligarquias, ligadas ao financiamento, produção e
exportação do café, e do regime que lhes dava sustentação, criou
melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
Abriu caminho para a diversificação da economia e o impulsionamento da
indústria moderna. Embora esse desenvolvimento mantivesse intacta e
estrutura fundiária baseada no latifúndio e não rompesse
substancialmente com a dependência externa, apenas recolocando-a sob
novos termos.
O novo governo
revolucionário, dirigido por Vargas, procurou, desde o início, construir
uma base social que lhe permitisse resistir aos setores das oligarquias
desalojadas do poder. Implantou-se assim uma política bifronte
assentada, de um lado, na concessão de direitos sociais e, de outro, na
repressão às organizações operárias autônomas. A política de concessões
receberia duras críticas do conjunto das classes proprietárias
brasileiras.
O movimento armado de 1930 foi recebido com euforia
pelo povo paulista, especialmente pelas classes médias e o proletariado.
Uma multidão eufórica depredou as redações dos jornais governistas,
como o São Paulo Jornal e o Correio Paulistano. Existia uma forte
oposição ao Partido Republicano Paulista no Estado. Esta oposição era
encabeçada pelo Partido Democrático (PD), uma dissidência oligárquica,
que tinha influência sobre as classes médias e que até então tinha tido
seu acesso ao poder interditado pelas fraudes eleitorais típicas da
República Velha. O PD apoiou a revolução e chegou a tomar o poder na
capital paulista, permanecendo ali por 40 dias.
Mas Vargas e os
tenentes revolucionários desconfiavam das elites políticas paulistas,
inclusive do PD. Por isso, para a interventoria foi indicado o tenente
João Alberto, que não era paulista. O novo interventor, sob forte
oposição dos grupos oligárquicos, buscou apoio junto ao proletariado
paulista, agravando a desconfiança dos setores conservadores. Num ato
inusitado, chegou a autorizar o funcionamento do Partido Comunista do
Brasil. Embora as três pessoas autorizadas não fossem mais militantes do
referido partido por haverem composto uma dissidência de caráter
trotskista. O objetivo dos tenentes não era, como acusavam seus críticos
conservadores, incentivar a luta de classes. Pelo contrário, eles
pretendiam, sim, através de medidas sociais e de melhorias salariais,
"conciliar patrões e operários, harmonizando-os para uma obra de paz e
prosperidade nacional".
Excluído do poder, em abril de 1931, o
Partido Democrático (PD) rompeu com o governo e lançou a denúncia de que
São Paulo era um território militarmente ocupado e exigiu a indicação
de interventor civil e paulista (e preferencialmente do PD). A resposta
governista foi o fechamento da sede do Partido, do Diário Nacional e a
prisão do chefe da polícia ligado ao PD, Vicente Rao. No final do mês,
os "democráticos" tentaram organizar um levante armado que foi
desmantelado. Mais de 200 revoltosos foram presos. A situação se
agravou. A chefia da Força Pública foi assumida pelo tenente Miguel
Costa - ex-comandante da Coluna e chefe da Legião Revolucionária de São
Paulo - e a da II Região Militar, pelo General Góes Monteiro.
Tentando
evitar novos confrontos, Vargas cedeu à pressão e substituiu Miguel
Costa por Plínio Barreto, com aval dos "democráticos". Os tenentes se
agitaram, pois o indicado havia caluniado a revolta de 1922, acusando os
revoltosos de "bandidos". O tenente Miguel Costa organizou então um
levante na Força Pública que impediu a posse do novo interventor. Vargas
indicou um outro interventor paulista e civil, Lauro Camargo. Este,
como os anteriores, ficou pouco tempo no cargo. Renunciou em poucos
meses devido a desavenças com os tenentes. Em seu lugar assumiu um
aliado dos tenentes, o comandante da II Região Militar, general Manuel
Rabelo.
Dia 25 de janeiro de 1932 realizou-se um grande comício
na Praça de Sé no qual foi lançada a palavra de ordem "Luta pela
Constituinte". Um novo comício monstro realizou-se em 24 de fevereiro.
As oligarquias iniciaram um processo de unificação em nível nacional. Em
São Paulo o Partido Republicano e o Democrático, inimigos históricos,
se unificaram na "Frente Única Paulista". Em Minas Gerais e no Rio
Grande do Sul formaram-se frentes únicas contra o governo federal. As
bandeiras que os unificavam foram a volta do federalismo e a necessidade
de se convocar uma Assembléia Nacional Constituinte.
No dia 23
de fevereiro de 1932, visando tirar a bandeira de "constitucionalização"
das mãos das oposições oligárquicas, Vargas promulgou o novo código
eleitoral, estabelecendo o voto feminino e secreto, e anunciou a
convocação de uma Assembléia Constituinte. Em 13 de maio nomeou uma
comissão de "notáveis" para elaborar um anteprojeto de Constituição e
marcou a eleição para 3 de maio de 1933. Foi decretado também o fim da
censura à imprensa.
Em 2 de março o presidente já havia feito uma
outra concessão importante e nomeado um interventor civil, paulista e
ligado aos grupos políticos regionais, Pedro de Toledo. Pensou, assim,
deter a maré contra-revolucionária, mas cada concessão presidencial
aumentava ainda mais a ousadia de seus adversários. A Frente Única
exigia agora a renúncia do governo Vargas e a volta do antigo regime.
O movimento operário e o levante constitucionalistaApesar
da sua ausência na história oficial o movimento operário teve um
importante papel na configuração do conflito que opôs as elites de São
Paulo e o governo central. Entre janeiro e maio de 1932 a cidade de São
Paulo foi atingida por uma onda grevista não vista desde 1917. O
movimento de contestação operária atingiu seu clímax em maio. No dia 2
paralisaram os ferroviários, seguiu-se a greve dos sapateiros,
vidreiros. No dia 11, a greve atingiu as indústrias têxteis, e depois se
estendeu para os padeiros, empregados de hotéis e da indústria de fumo,
além de inúmeras outras fábricas isoladas.
Mais de 100 mil operários paralisaram suas atividades naqueles dias. O conflito durou mais de um mês.
Visando
neutralizar esse movimento, e a crescente influência anarquista e
comunista, o governo federal sancionou várias leis trabalhistas. Em 4 de
maio instituiu a lei das oito horas para a indústria; no dia 12, criou
as Comissões Mistas de Conciliação; no dia 17, regulamentou o trabalho
de mulheres na indústria e no comércio. Os empresários de São Paulo
consideraram estas medidas como concessões inaceitáveis aos grevistas e
exigiram a sua revogação.
A Fiesp solicitou que se "sustasse
provisoriamente em São Paulo a execução das leis sociais desse
Ministério [do Trabalho] (...). Modificações dessa ordem podem ser
feitas com sucesso em quadras normais, mas apresentam perigos cuja
extensão V. Exa. poderá imaginar em quadras como a atual, de
inquietações e desconfianças. Acedendo ao nosso pedido, haverá V. Exa.
contribuído fortemente para a debelação da crise política e social". Em
resposta afirmou o ministro: "Assegurando-se esses direitos desaparecerá
o mal-estar reinante". Não conseguindo os seus objetivos os industriais
paulistas passaram a reforçar a frente oposicionista oligárquica.
O
discurso anticomunista foi marca da oposição liberal paulista. Ela
procurou sempre vincular o novo regime, instaurado no pós-30, com o
crescimento do movimento operário e comunista. No inicio do conflito
armado, o presidente do Instituto do Café afirmou: "Lavradores! Os
desmandos da ditadura (...) são as melhores armas de que se servem os
aventureiros internacionais, desejosos de implantar na terra acolhedora
de Santa Cruz os horrores do comunismo". (Diário Nacional, 12/7/1932) O
arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva, não ficou atrás,
afirmando: "A erva daninha do comunismo, trouxe-a para São Paulo a
mochila de certos próceres de 1930".
A própria greve se de um
lado aguçou o espírito oposicionista das oligarquias, por outro,
retardou os preparativos bélicos, como podemos notar nesta carta do
líder democrático paulista, J. A Marrey, a Francisco Morato: "Devemos
evitar a luta armada por todos os meios, sobretudo agora que se
encontram em greve dezenas de milhares de operários. Pressinto a queda
de nosso Partido. (...) ele deverá saber mover-se habilmente dentro da
situação".
No auge da greve, em 14 de maio de 1932, o jornal O
Estado de S. Paulo, que havia sido oposição ao Partido Republicano
Paulista, estampou em suas páginas: "O Brasil só se salvará se houver
união entre seus filhos, entre os vencedores e vencidos da Revolução que
ainda não se transviaram para a loucura bolchevique. Pouco importa, ao
menos para nós, que, passada a tormenta e salvo o Brasil, o poder vá
para as mãos dos políticos de antanho. O que cumpre, do mais humilde
cidadão ao chefe do Governo, é salvar o Brasil da anarquia". A volta ao
passado era melhor do que a insegurança criada pelo avanço da luta
social.
A revolução constitucionalistaNos dias 22 e
23 de maio uma multidão, insuflada pela imprensa e por políticos
paulistas, depredou a sede do Partido Popular Progressista e o jornal A
Razão, ligados aos tenentes. Em seguida um grupo de estudantes tentou
depredar a sede da Legião Revolucionária de Miguel Costa. No conflito
morreram quatro manifestantes: Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo. Com
as iniciais dos quatro nomes (MMDC) formou-se um movimento radical
anti-Vargas, defensor da luta armada contra o novo regime.
Em 23
de maio, aproveitando-se da comoção popular a Frente Única Paulista deu
um golpe e assumiu o poder no Estado, mantendo Pedro de Toledo no
governo. Todo secretariado passou a ser composto pelos grupos
oposicionistas. As oligarquias haviam retomado o poder em São Paulo.
Vargas novamente recuou e não tomou nenhuma providência pensando assim
reduzir a crise e evitar o conflito armado. De nada adiantou.
Após
a tomada do poder pela Frente Única paulista, aumentou a repressão ao
movimento grevista em curso. No mesmo dia a polícia invadiu o Sindicato
dos padeiros e prendeu duzentos grevistas. A assembléia do Comitê de
Greve foi invadida e a maioria dos seus dirigentes presa. Entre eles
estavam Leôncio Basbaum, Roberto Morena, Grazini e Caetano Machado,
todos dirigentes do PCB; e Righetti, líder dos trabalhadores gráficos
ligado aos tenentes. A greve de maio seria esmagada pela repressão. A
repressão que se seguiria enfraqueceu bastante o PCB no Estado.
O
Diário Nacional, ligado aos "democráticos" regozijou-se do papel
repressivo do novo governo paulista. Afirmou o jornal: "São Paulo
inteiro não ignora que foi à sombra da Ditadura que as doutrinas
extremistas encontraram campo de expansão (...). Em 23 de maio, depois
que o povo paulista conquistou na praça pública (...) o seu próprio
governo, essa situação modificou-se. Uma das principais providências
tomadas (...) foi a organização de turma especializada para a repressão
ao bolchevismo (...). Iniciou-se dali a campanha contra os estipendiados
de Moscou. Que a colheita foi boa, prova-o a relação que abaixo
publicamos, das prisões desde os últimos dias de maio" (em 14/9/1932).
As
elites paulistas buscaram então forjar uma aliança político-militar com
os dirigentes de Minas e Rio Grande do Sul com o objetivo de derrubar o
governo. Formou-se um comando militar paulista da revolta tendo à
frente os generais Isidoro Dias Lopes, Bertoldo Klinger e Euclides de
Figueiredo.
No dia 9 de julho, confiantes na vitória, os generais
paulistas iniciaram o movimento armado. No entanto, o interventor
gaúcho recuou de sua posição e deu o seu apoio ao governo. Diante de um
convite dos revoltosos os comandantes da Força Pública mineira
afirmaram: "A vossa palavra tocou-nos profundamente o coração", mas "o
que nós queremos acima de tudo é a ordem". Minas escolheu o caminho da
negociação e abandonou seus aliados paulistas. As oligarquias de São
Paulo ficaram isoladas num combate contra o poder central.
No
início os paulistas acreditavam que o movimento seria "uma simples
parada militar, mera marcha triunfal até o Rio de Janeiro". Miguel Costa
e seus aliados foram presos e iniciou-se uma dura repressão contra
todos os grupos partidários de Vargas e de esquerda, como comunistas e
anarquistas. Mais de 1400 pessoas são presas durante o movimento.
O
afastamento das classes populares, especialmente da classe operária,
foi visível. No manifesto de apoio, lançado no dia seguinte do levante,
das 28 entidades que assinaram apenas 4 eram de trabalhadores. Os
grandes sindicatos operários não foram solidários com o levante de 1932,
o instinto de classe lhes dizia que aquele movimento era contra os seus
interesses. O esmagamento da greve geral de maio havia sido um bom
exemplo disso.
A derrota militar das oligarquiasA
luta durou três meses e foi bastante desfavorável aos paulistas,
inferiorizados em armamento e em efetivos militares. As sucessivas
derrotas e frustrações levaram a que ocorressem deserções nas tropas
paulistas. Na retaguarda cresceu o descontentamento das classes
populares submetidas a todo tipo de privações e bombardeios governistas,
ocorrendo casos de saques. Em 2 de outubro o comandante da Força
Pública de São Paulo, sem autorização dos demais comandantes, assinou o
armistício e destituiu Pedro de Toledo. Justificando a rendição o seu
comandante, Coronel Herculano de Carvalho, afirmou: "Aquilo já não era
humano, já não era desprendimento; raiava à loucura. Um crime continuar a
luta daquele modo". Fracassava assim a tentativa das oligarquias
paulistas de reconquistar o poder político no Estado nacional
brasileiro.
Vários combatentes de 1932 deram-se conta de que
haviam sido utilizados pelas oligarquias. Um ano após o fim do conflito
um Manifesto de ex-combatentes denunciava "os privilégios e regalias que
galardoavam desigualmente os filhos da fortuna, guerreiros brancos da
retaguarda, vistosos e luzidios, ostentando galões e proclamando
bravuras imaginárias" e, concluía: "Nós somos aqueles que hoje estão
convictos do embuste e da mistificação a que foram atirados pelo
manobradores da política profissional, promotores de revoluções com o
intuito de reconquista do poder perdido".
Apesar da
desorganização do Partido Comunista e das entidades sindicais, existia
ainda um medo insano da insurreição comunista em São Paulo. Uma das
justificativas da rendição foi a de que "a ordem pública em São Paulo
estava seriamente ameaçada por um grande surto comunista". Por sua vez, o
general vitorioso, Góis Monteiro, afirmou: "Ordenei ao General Daltro
Filho entrar, à frente de suas forças, na capital paulista, a fim de
garantir a ordem pois havia ali muita confusão e grande desapontamento,
além de levantes de caráter comunista". Naqueles dias tumultuados, o
fantasma do comunismo parece que atormentava vencidos e vencedores e
contra ele não tardaram a se unificar em 1935 e em 1937.