Gilmar e Veja: uma mão suja a outra
Por Alexandre Haubrich, no blog Jornalismo B:
A relação entre a revista Veja e o ministro do STF Gilmar Mendes, que
culminou, na última semana, em acusações contra o ex presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, é antiga, e sempre costumou ser muito amistosa. A
busca no acervo digital da Veja revela 140 menções a Mendes, parte delas
trazendo o ministro como fonte, parte apresentando-o como um gênio do
meio jurídico brasileiro ou fazendo supor que Gilmar Mendes é um dos
grandes frasistas da História do país. Além disso, a pesquisa traz
algumas curiosidades um tanto quanto incômodas para Mendes. Chegaremos a
elas.

Entre as 140 menções, dezenas delas estão na seção “Veja Essa”, dedicada
às mais interessantes – na concepção da Veja – frases da semana. Todas
as citações de Gilmar Mendes são de frases fortes, espirituosas, e
carregadas de ataque aos movimentos sociais e a lideranças políticas,
como o atual governador do Rio Grande do Sul e ex ministro da Justiça
Tarso Genro (PT).
A primeira aparição de Mendes na Veja acontece em 1992. Ele era, então,
assessor jurídico do Planalto, subordinado ao ex presidente Fernando
Collor, a quem defende na matéria publicada em setembro daquele ano.
Gilmar Mendes só volta a aparecer na revista dez anos depois, como
advogado-geral da União e candidato ao Supremo Tribunal Federal. Ali,
como em 1992, Gilmar e a Veja parecem não se entender muito bem. Diz a
matéria: “Dono de um estilo agressivo, Mendes é alvo de maledicências no
tribunal”.

Ainda em 2002 há o primeiro capítulo da curiosidade citada no primeiro
parágrafo desse texto. Lembremos que, agora, em 2012, o ministro do STF
acusa Lula de ter tentado interferir nas decisões do Supremo. Pois, há
dez anos, observemos o que nota publicada na Veja relatava: “Quando não
se discutia a possibilidade de o advogado-geral da União, Gilmar Mendes,
assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, a relação dele com o
Poder Judiciário conheceu momentos de atrito. Certa vez, Mendes enviou
uma carta ao STF em que pedia aos juízes que moderassem seu contato com a
imprensa”. Sim, Gilmar Mendes, quando advogado-geral da União, tentou
interferir na conduta do STF. E mais: já ministro do STF, tentou
interferir na conduta da Polícia Federal. Em nota da seção Radar, da
revista Veja, em junho de 2007, o jornalista Lauro Jardim afirma: “O
ministro do STF Gilmar Mendes telefonou na semana passada para Tarso
Genro. (…) Furioso, Mendes reclamou da atuação da PF, que vazou
extra-oficialmente o seu nome como um dos beneficiários dos presentinhos
da Gautama (…)”.

Durante toda a crise institucional entre Gilmar Mendes e Tarso Genro, a
Veja sempre posicionou-se ao lado do ministro do STF. A divergência
chegou ao caso do ativista italiano Cesare Battisti, momento em que a
revista aumentou o espaço dado a Gilmar para ecoar a gritaria contra o
“terrorista” e seus “comparsas”. Em julho de 2008, a Veja publicou uma
reportagem de quatro páginas atacando o trabalho da Polícia Federal, que
estava então sob comando de Tarso.
Em 2009 começou a paixão entre Gilmar e o colunista da revista, Reinaldo
Azevedo, que agora o defende aos gritos contra Lula. Em abril daquele
ano, a edição impressa destacava nota publicada no blog do colunista,
sobre a discussão entre Gilmar e outro ministro do STF, Joaquim Barbosa,
em que Azevedo, como de costume, se investe de ares de juiz supremo:
“Joaquim Barbosa está obrigado a provar, como ministro do Supremo, que
seu colega tem ‘capangas’. Se Gilmar Mendes tem capangas e Barbosa tem
as provas, então está prevaricando”.

Dois anos depois, em dezembro de 2011, o mesmo Reinaldo Azevedo publicava na Veja um artigo de duas páginas, intitulado “Ainda há juízes em Brasília”, em que pouco mais faz do que tecer loas a Gilmar Mendes e ao livro publicado pelo ministro. Escreve: “Mendes é juiz num país livre que quer continuar livre. Que faça escola”.

É claro que, com toda essa trajetória de carinhos recíprocos, a Veja
podia contar com Gilmar Mendes quando precisasse desviar a atenção de si
mesma, envolvida como está nas ligações gravadas do bicheiro Carlinhos
Cachoeira, alvo de uma CPI neste momento. Ao tentarem lavar-se
mutuamente, uma mão suja a outra.
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